sábado, 17 de agosto de 2013

Pedrinho e o saci - Monteiro Lobato

Pedrinho e o saci - Monteiro Lobato

Pedrinho e o Saci
Monteiro Lobato

Tão impressionado ficou Pedrinho com a conversa que tivera com o tio Barnabé sobre sacis que dali por diante só pensava em saci, e até começou a enxergar sacis por toda parte. Dona Benta caçoou, dizendo:
- Cuidado! Já ouvi contar a história de um menino que de tanto pensar em saci acabou virando saci...
Pedrinho não fez caso da história, e um dia, encheu-se de coragem, resolveu pegar um. Foi procurar tio Barnabé.
- Estou resolvido a pegar um saci – disse ele – e quero que o senhor me ensine o melhor meio.
Tio Barnabé riu daquela valentia.
- Gosto de ver um menino assim. Bem mostra que é neto do defunto sinhô velho, um homem que não tinha medo nem de mula-sem-cabeça. Há muitos jeitos de pegar saci, mas o melhor é o de peneira. Arranja-se uma peneira de cruzeta...
- Peneira de cruzeta? – interrompeu Pedrinho – que é isso?
- Nunca reparou que certas peneiras têm duas taquaras mais largas que se cruzam bem no meio e servem para reforço? Olha aqui – e tio Barnabé mostrou o menino uma das tais peneiras que estava ali num canto.
- Pois bem – continuou tio Barnabé – arranja-se uma peneira destas e fica-se esperando um dia de vento bem forte, em que haja rodamoinho, de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vai-se com todo cuidado para o rodamoinho e zás! – joga-se a peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro, porque fazer rodamoinhos é justamente a principal ocupação dos sacis neste mundo.
- E depois?
- Depois, se a peneira for bem atirada e o saci ficar preso, é só dar jeito de botar ele dentro de uma garrafa e arrolhar muito bem. Não se esquecer de riscar uma cruzinha na rolha, porque o que prende o saci na garrafa não é a rolha e sim a cruzinha riscada nela. É preciso ainda tomar a carapucinha dele e a esconder bem escondida. Saci sem carapuça é como cachimbo sem fumo. Eu já tive um saci na garrafa – contou tio barnabé – que me prestava muitos bons serviços. Mas veio aqui um dia aquela mulatinha sapeca que mora na casa do compadre bastião e tanto lidou com a garrafa que a quebrou. Bateu logo um cheirinho de enxofre. O perneta pulou em cima da sua carapuça, que estava ali naquele prego, e “até logo, tio barnabé!” depois de tudo ouvir com a maior atenção, Pedrinho voltou para casa, decidido a pegar um saci, custasse o que custasse.
Contou seu projeto a Narizinho e longamente discutiu com ela sobre o que faria o caso de escravizar um daqueles terríveis capetinhas.
Depois de arranjar uma boa peneira de cruzeta, ficou à espera do dia de São Bartolomeu, que é o mais ventoso do ano.
Custou há chegar esse dia, tal era sua impaciência, mas afinal chegou, e desde cedo Pedrinho foi postar-se no terreiro, de peneira na mão, à espera de rodamoinhos.
Não esperou muito tempo. Um forte rodamoinho formou-se no pasto e veio caminhando para o terreiro.
- É hora! – disse narizinho. – aquele que vem vindo está com muito jeito de ter saci dentro.
Pedrinho foi se aproximando pé ante pé e, de repente, zás! – jogou a peneira em cima.
- Peguei – gritou no auge da emoção, debruçando-se com todo o peso do corpo sobre a peneira. – peguei o saci!...
A menina correu a ajudá-lo.
- Peguei o saci! – repetiu vitoriosamente. – corra narizinho, e traga-me aquela garrafa escura que deixei na varanda. Depressa!
A menina foi num pé e voltou noutro.
- Enfie a garrafa dentro da peneira – ordenou Pedrinho – enquanto eu cerco dos lados. Assim! Isso!...
A menina fez como ele mandava e com muito jeito a garrafa foi introduzida dentro da peneira.
- Agora tire do meu bolso a rolha que tem uma cruz riscada em cima – continuou Pedrinho. – essa mesma. Dê cá.
Pela informação do tio Barnabé, logo que a gente põe a garrafa dentro da peneira o saci por si mesmo entra dentro dela, porque, como todos os filhos das trevas, tem a tendência de procurar sempre o lugar mais escuro. De modo que Pedrinho o mais que tinha a fazer era arrolhar e erguer a peneira.
Assim fez, e foi com o ar de vitória de quem houvesse levantou no ar a garrafa para conquistado um império que examiná-la contra a luz.https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXQ_5F5Ao7iWh_eKsEAUBKWM2l4k9DC-CNb82V62sCqA6uEOmIv9QDNlHe32o7Fb7pz4Jt7P0G0wrnZHnF0aQMluU_AT3lRviRDBJPn9DYga5razTSZrfDqhulCf2OpfsjKhEPfhrxfqYF/s320/Saci+garrafa.jpg
Mas a garrafa estava tão vazia quanto antes.
Nem sobra do saci dentro...
Narizinho deu-lhe uma vaia e Pedrinho, muito desapontado, foi contar o caso ao tio Barnabé.
- É assim mesmo – explicou o negro velho. – saci na garrafa é invisível. A gente só sabe que ele está lá dentro quando a gente cai na modorra. Num dia bem quente, quando os olhos da gente começam a piscar de sono, o saci pega a tomar forma, até que fica perfeitamente visível. É desse momento em diante que a gente faz dele o que quer. Guarde a garrafa bem fechada, que garanto que o saci está dentro dela
Pedrinho voltou para casa orgulhosíssimo com a sua façanha.
- O saci está aqui dentro, sim – disse ele a narizinho. – mas está invisível, como me explicou tio barnabé. Para a gente ver o capetinha é preciso cair na modorra – e repetiu as palavras que o negro lhe dissera.
Um dia Pedrinho enganou Dona Benta que ia visitar o tio Barnabé, mas em vez disso tomou o rumo da mata virgem de seus sonhos. Nem o bodoque levou consigo.
- Para que bodoque se levo o saci na garrafa e ele é uma arma melhor do que quanto canhão ou metralhadora existe?
Pedrinho foi caminhando pela mata adentro até alcançar um ponto onde havia um rio muito límpido.
Encantado com a beleza daquele sítio, o menino parou para descansar. E ali ficou num enlevo que nunca sentira antes, pensando mil coisas em que nunca pensara antes.
De repente o menino notou que o saci dentro da garrafa fazia gestos de quem quer dizer qualquer coisa.
- Que aconteceu que está assim inquieto, meu caro Saci? – perguntou-lhe em tom brincalhão.
- Aconteceu que este lugar é o mais perigoso da floresta; e que se a noite pilhar você aqui era uma vez o neto de Dona Benta...
Pedrinho sentiu um arrepio correr-lhe pelo fio da espinha.
- Por que – perguntou Pedrinho, olhando ressabiadamente para todos os lados.
- Porque é justamente aqui o coração da mata, ponto de reunião de sacis, lobisomens, bruxas, caiporas e até da mula-sem-cabeça. Sem meu socorro você estará perdido, porque não a mais tempo de voltar para casa, nem você sabe o caminho. Mas o meu auxílio eu só darei sob uma condição.
- Já sei devolver a carapuça!...
-Isso mesmo. Devolver-me a carapuça e com ela a liberdade. Aceita?
- Que remédio!
Pedrinho sentia muito ver-se obrigado a perder um saci que tanto lhe custara a apanhar, mas como não tinha outro remédio senão ceder, jurou que o libertaria se o saci o livrasse dos perigos da noite e pela manhã o levasse, são e salvo à casa de dona benta, no sítio do pica-pau amarelo.
- Muito bem – disse o Saci. – mas nesse caso você tem de abrir a garrafa e me soltar. Terei assim mais facilidade de ação. Você jurou que me liberta; eu dou minha palavra de Saci que mesmo solto o ajudarei em tudo. Depois o acompanharei até o sítio para recebe minha carapuça e despedir-me de todos.
Pedrinho soltou o Saci.
Durante o resto da aventura tratou-o mais como um velho camarada do que como um escravo.

Assim que se viu fora da garrafa, o saci pôs-se a dançar e a fazer cabriolas com tanto prazer que o menino ficou arrependido de por tantos dias ter conservado presa uma criaturinha tão irrequieta e amiga da liberdade.

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