Pedrinho
e o saci - Monteiro Lobato
Pedrinho e o Saci
Monteiro Lobato
Tão impressionado
ficou Pedrinho com a conversa que tivera com o tio Barnabé sobre sacis que dali
por diante só pensava em saci, e até começou a enxergar sacis por toda parte.
Dona Benta caçoou, dizendo:
- Cuidado! Já ouvi
contar a história de um menino que de tanto pensar em saci acabou virando
saci...
Pedrinho não fez
caso da história, e um dia, encheu-se de coragem, resolveu pegar um. Foi
procurar tio Barnabé.
- Estou resolvido a
pegar um saci – disse ele – e quero que o senhor me ensine o melhor meio.
Tio Barnabé riu
daquela valentia.
- Gosto de ver um
menino assim. Bem mostra que é neto do defunto sinhô velho, um homem que não
tinha medo nem de mula-sem-cabeça. Há muitos jeitos de pegar saci, mas o melhor
é o de peneira. Arranja-se uma peneira de cruzeta...
- Peneira de
cruzeta? – interrompeu Pedrinho – que é isso?
- Nunca reparou que
certas peneiras têm duas taquaras mais largas que se cruzam bem no meio e
servem para reforço? Olha aqui – e tio Barnabé mostrou o menino uma das tais
peneiras que estava ali num canto.
- Pois bem –
continuou tio Barnabé – arranja-se uma peneira destas e fica-se esperando um
dia de vento bem forte, em que haja rodamoinho, de poeira e folhas secas. Chegada
essa ocasião, vai-se com todo cuidado para o rodamoinho e zás! – joga-se a
peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro, porque fazer
rodamoinhos é justamente a principal ocupação dos sacis neste mundo.
- E depois?
- Depois, se a
peneira for bem atirada e o saci ficar preso, é só dar jeito de botar ele
dentro de uma garrafa e arrolhar muito bem. Não se esquecer de riscar uma
cruzinha na rolha, porque o que prende o saci na garrafa não é a rolha e sim a
cruzinha riscada nela. É preciso ainda tomar a carapucinha dele e a esconder
bem escondida. Saci sem carapuça é como cachimbo sem fumo. Eu já tive um saci
na garrafa – contou tio barnabé – que me prestava muitos bons serviços. Mas
veio aqui um dia aquela mulatinha sapeca que mora na casa do compadre bastião e
tanto lidou com a garrafa que a quebrou. Bateu logo um cheirinho de enxofre. O
perneta pulou em cima da sua carapuça, que estava ali naquele prego, e “até
logo, tio barnabé!” depois de tudo ouvir com a maior atenção, Pedrinho voltou
para casa, decidido a pegar um saci, custasse o que custasse.
Contou seu projeto
a Narizinho e longamente discutiu com ela sobre o que faria o caso de
escravizar um daqueles terríveis capetinhas.
Depois de arranjar
uma boa peneira de cruzeta, ficou à espera do dia de São Bartolomeu, que é o
mais ventoso do ano.
Custou há chegar
esse dia, tal era sua impaciência, mas afinal chegou, e desde cedo Pedrinho foi
postar-se no terreiro, de peneira na mão, à espera de rodamoinhos.
Não esperou muito
tempo. Um forte rodamoinho formou-se no pasto e veio caminhando para o
terreiro.
- É hora! – disse
narizinho. – aquele que vem vindo está com muito jeito de ter saci dentro.
Pedrinho foi se
aproximando pé ante pé e, de repente, zás! – jogou a peneira em cima.
- Peguei – gritou
no auge da emoção, debruçando-se com todo o peso do corpo sobre a peneira. –
peguei o saci!...
A menina correu a
ajudá-lo.
- Peguei o saci! –
repetiu vitoriosamente. – corra narizinho, e traga-me aquela garrafa escura que
deixei na varanda. Depressa!
A menina foi num pé
e voltou noutro.
- Enfie a garrafa
dentro da peneira – ordenou Pedrinho – enquanto eu cerco dos lados. Assim!
Isso!...
A menina fez como
ele mandava e com muito jeito a garrafa foi introduzida dentro da peneira.
- Agora tire do meu
bolso a rolha que tem uma cruz riscada em cima – continuou Pedrinho. – essa
mesma. Dê cá.
Pela informação do
tio Barnabé, logo que a gente põe a garrafa dentro da peneira o saci por si
mesmo entra dentro dela, porque, como todos os filhos das trevas, tem a tendência
de procurar sempre o lugar mais escuro. De modo que Pedrinho o mais que tinha a
fazer era arrolhar e erguer a peneira.
Assim fez, e foi
com o ar de vitória de quem houvesse levantou no ar a garrafa para conquistado um império que examiná-la contra a
luz.
Mas a garrafa
estava tão vazia quanto antes.
Nem sobra do saci
dentro...
Narizinho deu-lhe
uma vaia e Pedrinho, muito desapontado, foi contar o caso ao tio Barnabé.
- É assim mesmo –
explicou o negro velho. – saci na garrafa é invisível. A gente só sabe que ele
está lá dentro quando a gente cai na modorra. Num dia bem quente, quando os
olhos da gente começam a piscar de sono, o saci pega a tomar forma, até que
fica perfeitamente visível. É desse momento em diante que a gente faz dele o
que quer. Guarde a garrafa bem fechada, que garanto que o saci está dentro dela
Pedrinho voltou
para casa orgulhosíssimo com a sua façanha.
- O saci está aqui
dentro, sim – disse ele a narizinho. – mas está invisível, como me explicou tio
barnabé. Para a gente ver o capetinha é preciso cair na modorra – e repetiu as
palavras que o negro lhe dissera.
Um dia Pedrinho
enganou Dona Benta que ia visitar o tio Barnabé, mas em vez disso tomou o rumo
da mata virgem de seus sonhos. Nem o bodoque levou consigo.
- Para que bodoque
se levo o saci na garrafa e ele é uma arma melhor do que quanto canhão ou
metralhadora existe?
Pedrinho foi
caminhando pela mata adentro até alcançar um ponto onde havia um rio muito
límpido.
Encantado com a
beleza daquele sítio, o menino parou para descansar. E ali ficou num enlevo que
nunca sentira antes, pensando mil coisas em que nunca pensara antes.
De repente o menino
notou que o saci dentro da garrafa fazia gestos de quem quer dizer qualquer
coisa.
- Que aconteceu que
está assim inquieto, meu caro Saci? – perguntou-lhe em tom brincalhão.
- Aconteceu que
este lugar é o mais perigoso da floresta; e que se a noite pilhar você aqui era
uma vez o neto de Dona Benta...
Pedrinho sentiu um
arrepio correr-lhe pelo fio da espinha.
- Por que –
perguntou Pedrinho, olhando ressabiadamente para todos os lados.
- Porque é
justamente aqui o coração da mata, ponto de reunião de sacis, lobisomens,
bruxas, caiporas e até da mula-sem-cabeça. Sem meu socorro você estará perdido,
porque não a mais tempo de voltar para casa, nem você sabe o caminho. Mas o meu
auxílio eu só darei sob uma condição.
- Já sei devolver a
carapuça!...
-Isso mesmo.
Devolver-me a carapuça e com ela a liberdade. Aceita?
- Que remédio!
Pedrinho sentia
muito ver-se obrigado a perder um saci que tanto lhe custara a apanhar, mas
como não tinha outro remédio senão ceder, jurou que o libertaria se o saci o
livrasse dos perigos da noite e pela manhã o levasse, são e salvo à casa de
dona benta, no sítio do pica-pau amarelo.
- Muito bem – disse
o Saci. – mas nesse caso você tem de abrir a garrafa e me soltar. Terei assim
mais facilidade de ação. Você jurou que me liberta; eu dou minha palavra de
Saci que mesmo solto o ajudarei em tudo. Depois o acompanharei até o sítio para
recebe minha carapuça e despedir-me de todos.
Pedrinho soltou o
Saci.
Durante o resto da
aventura tratou-o mais como um velho camarada do que como um escravo.
Assim que se viu
fora da garrafa, o saci pôs-se a dançar e a fazer cabriolas com tanto prazer
que o menino ficou arrependido de por tantos dias ter conservado presa uma
criaturinha tão irrequieta e amiga da liberdade.
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